ZERO HORA 17 de agosto de 2012 | N° 17164. ARTIGOS
LUIZ FERNANDO ODERICH*
Há duas imagens que levarei para o túmulo. Uma é abrir a porta de casa às duas horas da manhã e deparar com dois irmãos acompanhados das esposas e um primo médico. Você começa a berrar desesperado, antes de alguém abrir a boca para dizer algo. A outra foi ver meu filho deitado no caixão, mãos entrelaçadas sobre o ventre. Choro apenas de escrever este parágrafo. Metade de mim baixou naquele caixão. Enlouqueci. As pessoas fingem que não notam.
Muitas coisas nascem da morte, paradoxalmente. A única bala disparada por um revólver que perfurou o coração do Max “abriu” a minha cabeça. Vejo o mundo com outros olhos. Vejo as soluções para o Brasil com outra perspectiva. A ONG Brasil Sem Grades, que fundei com minha esposa, amigos e familiares e que tem por meta reduzir a criminalidade em 50%, em 25 anos, a partir do ano-base 2002, é uma decorrência dessa nova visão.
Os políticos explicam tudo através de causas socioeconômicas. Usam isso para culpar os antecessores que fizeram ou deixaram de fazer algo. A criminalidade tem razões mais profundas. Antes de tudo, somos seres humanos. Muitas crianças nascem e, além de não saberem por que vieram até nós, não recebem amor, afeto e carinho. Nada lhes é dado, dito ou mostrado. O crack, por exemplo, proporciona o mesmo prazer do orgasmo de uma relação sexual. Para quem nunca teve nada emocionalmente, já é alguma coisa. O Brasil só irá mudar quando colocarmos no mundo filhos que tenham sido desejados e, depois, amados.
Ao completar, hoje, 10 anos, damos um novo passo, que consolida o momento que vivemos e recapitula todas as bandeiras que levantamos ao longo dessa trajetória: planejamento familiar, paternidade responsável e revisão do Código de Processo Penal (CPP). Com a nova campanha, Chega de Braços Cruzados, a Brasil Sem Grades fará valer a força da sociedade para cobrar dos políticos brasileiros mais rigor nas leis.
Vamos descruzar os braços de todos. Das famílias que perderam seus entes queridos para a violência. Vidas interrompidas por bandidos que estão soltos e assim permanecem, tornando os nossos dias mais inseguros e nossas noites mais angustiantes. Vamos descruzar os braços não só em nome daqueles que deixaram uma vida promissora para trás, mas também para os que estão vivos hoje, suscetíveis ao mais inesperado ato do destino. Não espere sentir na pele a dor da perda para que as coisas comecem a mudar.
Confesso que o passado mexe muito comigo. Da esperança de mudar o futuro, tiro forças para seguir em frente. Não sei quantos litros de lágrimas é preciso para escrever todo o necessário para mudar o Brasil, mas dou grande valor a cada gota de suor que gasto em memória do meu querido Max.
*Presidente da ONG Brasil Sem Grades
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Os norte-americanos e os italianos só conseguiram reduzir o poder das máfias quando descruzaram os braços e se mobilizaram em torno de comunidades religiosas, associações, sindicatos, maçonaria e clubes de serviço, passando a exigir justiça ágil e coativa, leis rigorosas, autoridade respeitada e educação cívica e cidadã como alavanca de uma cultura de ordem e respeito.
Vale a pena repetir este alerta:
- "Não espere sentir na pele a dor da perda para que as coisas comecem a mudar".
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