É cedo para fazer "teses" sobre o Grito das Ruas. Não quero me arriscar a fazer a chamada "sociologia de botequim". Não sou cronista político.
Mas....se for para gritar contra um transporte público notoriamente caro e ineficiente, se for para gritar contra empresas de ônibus que financiam campanhas de políticos e jogam nas ruas motoristas incapazes de respeitar um sinal vermelho, se for para gritar contra um sistema de saúde que transforma em bicho quem não tiver dinheiro para pagar plano privado, se for para gritar contra um Congresso que elege para presidente do Senado um senador que recebia "ajuda" de empreiteiras, se for para gritar contra um sistema educacional que sempre pagou a professores salários indecentes, se for para gritar contra o mau uso de impostos que castigam quem trabalha, o Grito das Ruas haverá de fazer bem ao Brasil.
Além de tudo, certamente há, entre os jovens que gritam, aqueles que acreditam que a vida é algo além de cartão de crédito, carro do ano, shopping center, "roupa de grife" e passagem para Miami.
Numa época destroçada pelo triunfo da Grande Conspiração da Mediocridade - que parece dominar a vida em todas, todas, todas as instâncias - é preciso restaurar um mínimo de ingenuidade ! Faz bem a cada um e ao país. Por que não?
Virou moda dizer que as utopias devem ser sumariamente descartadas, porque, um dia, produziram os horrores do finado "socialismo real". Mas....não. Há utopias que podem, sim, fazer bem ao país, porque trazem aquela dose de ingenuidade, aquela dose de inocência, aquela chama apaixonada que diz "não", "não" e "não" à mediocridade cotidiana ( aliás: é ou não é triste ver a classe média desfilando nas ruas pateticamente escondida sob vidros pretos dos carros ? ).
Há uma regra universal: invariavelmente, o dissidentes sempre foram mais interessantes que os aderentes. É só olhar em volta.
O fogo da dissidência será sempre necessário, assim como a ingenuidade das utopias.
E a Utopia dos Dissidentes Ingênuos pode ser a mais simples possível: acreditar que o Grito das Ruas pode, sim, chamar de novo a atenção dos poderosos ( não importa a que partidos pertençam! ) para o fosso gigantesco que sempre existiu entre o Brasil dos sonhos dos ingênuos e o Brasil real, aquele país injusto, cínico, excludente, cruel.
Que se ouça, então, em meio a essa torrente, o Grito dos Dissidentes Ingênuos.
Um estudante rebelado na Paris de maio de 68 pichou num muro:
"Debaixo do asfalto, o mar".
É isso: debaixo do asfalto, o mar !
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