Nova ofensiva dos ladrões de joias
Um sequestro que terminou em roubo a joalheria dentro do Praia de Belas, somado a uma série de outros ataques no RS, mostra que o mercado clandestino de ouro e pedras preciosas alimenta o crime.
Bruna Scirea, Carolina Rocha, Fernanda da Costa, Juliano Rodrigues e Matheus Piovesan
A libertação de dois reféns, na manhã de ontem, deu um final menos dramático a um crime que poderia ter manchado com tragédia um dos templos do comércio em Porto Alegre, o Praia de Belas Shopping. O centro comercial foi palco de um assalto planejado de forma meticulosa, que começou às 22h de quarta-feira. A ação de seis assaltantes contra a joalheria Coliseu, situada no shopping, teve início em Viamão. Os ladrões aprisionaram a subgerente do estabelecimento e seu companheiro e os forçaram a saquear o próprio local de trabalho. O casal foi libertado mais de 13 horas depois, em Canoas. A quantia levada em joias não foi revelada.
O episódio do Praia de Belas está longe de ser um fato isolado. Uma sequência de assaltos a joalherias e óticas tem espalhado temor entre comerciantes gaúchos. De 2011 para 2012, o número dos roubos cresceu 46% no Rio Grande do Sul. Mais de 80% dos ataques acontecem no Interior.
Foi por volta das 22h de quarta-feira que um bandido pulou o muro de uma casa em Viamão e anunciou o sequestro de Jaqueline Capitó Gonçalves, 24 anos, e do companheiro, o administrador de uma autoescola em Porto Alegre, Lucas Schntz, 26 anos. Após entrar, o bandido abriu a casa para outros dois homens e três mulheres. Enquanto estavam na residência, assaram carne e comeram chocolate, mantendo os reféns amarrados e vendados. Os criminosos ainda aproveitaram o tempo para provar as roupas dos reféns e chegaram a recolher um cofre de moedas, que tinha R$ 68.
Um alvo menos guarnecido
Lucas e Jaqueline foram levados em momentos distintos a um cativeiro na Região Metropolitana – o local ainda não foi identificado pela Polícia Civil. Por volta das 10h de ontem, o bando levou os reféns em três carros até as proximidades do shopping. Na companhia de uma sequestradora, a subgerente foi obrigada a pegar um táxi. Ao chegar à loja, houve o anúncio do assalto. A sequestradora deixou no local uma caixa, que aparentava ser um explosivo.
Jaqueline pediu para as funcionárias que permanecessem no local por cerca de 20 minutos. Se tudo fosse cumprido conforme orientado, a bomba seria automaticamente desativada. A refém e a sequestradora saíram do shopping com joias, numa quantia ainda não informada. O casal foi libertado no centro de Canoas.
– Meu filho teve de atravessar um banhado com lixo antes de conseguir ajuda. Ele chegou muito sujo e abalado – descreve a mãe de Lucas, Josane Schntz, 44 anos.
O medo vivenciado pelas duas famílias é rotina no Interior. Nos últimos cinco anos, a polícia registrou 150 assaltos a joalherias e óticas gaúchas, 44 deles em 2012. Se comparado com 2010, quando foram registrados 18 assaltos no total, o saldo do ano passado é 144% maior. Nos últimos dias do ano passado, uma fábrica de joias em Cotiporã, na Serra, foi alvo de uma quadrilha, que fez reféns para fugir.
Uma explicação possível para a escolha dos assaltantes é que joalherias são muito menos guarnecidas que bancos e, por vezes, guardam valores (em metais) muito maiores que uma agência bancária. O receptador pode revender o material ou até derretê-lo, para fazer novas joias.
A proprietária de uma joalheria, que pede para não ser identificada, chegou a contratar um guarda para a loja em Passo Fundo. Nem isso evitou que o estabelecimento fosse assaltado pela terceira vez, no segundo semestre de 2012. Os assaltantes renderam o segurança e invadiram a loja. A cada assalto, o marido implora para que a empresária mude de ramo. O amor pelo empreendimento, que conquistou depois de passar 14 anos sendo funcionária de uma joalheria, é o que a impede de abandoná-lo.
– Mas não sei por quanto tempo vou conseguir – diz ela.
Ameaça de explosivo fechou o prédio
Depois da ação dos criminosos que assaltaram a joalheria Coliseu, o Praia de Belas Shopping foi evacuado pela suspeita da presença de um objeto explosivo na loja. O centro comercial, um dos mais tradicionais de Porto Alegre – localizado no bairro do mesmo nome, perto do Guaíba – ficou aproximadamente três horas fechado.
Funcionários e clientes do shop-ping precisaram deixar o prédio por volta das 11h30min, para que agentes do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) verificassem o artefato deixado pelos bandidos. Antes deles, uma equipe do Corpo de Bombeiros entrou no Praia de Belas com uma mangueira e jogou água numa mochila onde estava a suposta bomba.
O artefato era formado por uma massa pastosa branca, envolta em uma fita preta, e sobre ela um aparelho celular de onde saíam fios. Um simulacro de explosivo, mas inofensivo. A concentração de viaturas policiais e curiosos nas imediações causou grande congestionamento nos bairros Praia de Belas e Menino Deus. O shopping reabriu por volta das 14h30min.
Polícia criou equipe especializada
O delegado Juliano Ferreira, da Delegacia de Repressão a Roubos do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), reconhece o aumento no número de assaltos a joalherias e óticas no Estado. Até por causa disso, há dois anos a delegacia criou uma equipe especializada na investigação de assaltos a joalherias, que auxilia delegacias do Interior.
Ferreira afirma que as ações não são consequência de quadrilhas especializadas. Segundo ele, esses casos, registrados em sua maioria no Interior, tratam-se de pequenos roubos praticados por bandidos das próprias regiões. Ele considera a situação diferente da vivida na Capital há alguns anos, em que quadrilhas realizavam grandes roubos a joalherias, com prejuízos de mais de R$ 100 mil às lojas. Hoje, esse tipo de ataque se tornou mais raro, mas ainda existe, admite o delegado, citando o ataque de ontem:
– Chama a atenção pela forma como praticaram, a organização, diferente no que se refere aos outros assaltos a joalherias. Certamente estudaram a rotina dela (a subgerente sequestrada) e da loja.
O delegado acredita que não há grandes receptadores no Estado. A maior parte das joias roubadas seria repassada para ourives das próprias regiões atacadas.
A onda dos assaltos a joalherias preocupa a Brigada Militar. Segundo o coronel Altair de Freitas Cunha, subcomandante-geral da corporação, a BM pretende contar com os comandos regionais para criar patrulhas especiais nos locais onde há maior ocorrência dos crimes.
– A ideia é formar uma estrutura de patrulha para reforçar a ação de prevenção nessas regiões, principalmente em cidades com poucos policiais. A ação deve se iniciar depois de contabilizarmos os dados e mapearmos os assaltos – afirma.
SUA SEGURANÇA | Humberto Trezzi
Onde estão os receptadores?
A mercadoria da moda no submundo é a joia. Povos perseguidos são tradicionais mercadores de ouro e pedras preciosas, porque elas podem viajar com o dono e têm liquidez certa. Superam sem traumas as desvalorizações e os maus humores do mercado das cédulas. Ladrões sabem disso.
A questão é que o Estado nunca viu tantos roubos desse tipo de mercadoria. Um terço dos 150 assaltos a joalherias em território gaúcho nos últimos cinco anos aconteceu em 2012. O ano passado terminou com o ataque de um bando de assaltantes em uniformes militares e com armas de alto calibre a uma fábrica de...adivinhe? Joias. Em Cotiporã, na Serra, onde três bandidos perderam a vida e dois PMs ficaram feridos num confronto pós-roubo. Como se vê, é um mercado aquecido. A explicação pode estar no fato de locais de comércio ou fabricação de joias serem menos guarnecidos.
Os policiais até que têm prendido ladrões. Falta chegar aos grandes receptadores. Uma boa investigação incluiria lojistas, vendedores ambulantes e contrabandistas, comuns na fronteira. Só assim para estancar essa onda delituosa.
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