sexta-feira, 20 de maio de 2016

Mãe engraxate supera obstáculos e vê filho aprovado no exame da OAB




Juliano da Silva Dias, 22 anos, se forma em direito na PUC neste semestre.
A mãe Vera Regina, 54 anos, trabalha como engraxate em Porto Alegre.

Natália FruetDa RBS TV
Desde os 6 anos de idade, Juliano da Silva Dias dizia que seria advogado. Hoje, aos 22, está prestes a obter o diploma de bacharel em Direito. Ainda estudante da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), já foi aprovado no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), com nota máxima - como estampa a faixa fixada no prédio onde mora, no bairro Rubem Berta, Zona Norte de Porto Alegre. Conquistas que ele atribui à mãe, Vera, única mulher engraxate da Praça da Alfândega.
Não é um sonho individual, é o nosso sonho, a nossa realização, isso não é uma conquista minha,
é uma conquista nossa"
Juliano da Silva Dias
22 anos
“Não é um sonho individual, é o nosso sonho, a nossa realização, isso não é uma conquista minha, é uma conquista nossa, da nossa família como um todo”, diz Juliano.
Vera Regina Pereira da Silva, de 54 anos, estudou até a 8ª série do Ensino Fundamental e não teve a oportunidade de ir para a universidade. Por isso, a realização do sonho de Juliano também é a realização do sonho dela.
Há uma década, ela trabalha como engraxate na Praça da Alfândega, no Centro de Porto Alegre. Sempre que ela lustra um dos sapatos, lembra do filho.
“Aqui senta juiz, desembargador, ministro, deputado, e eles perguntam da minha vida. Eu falo, e às vezes pego conselho (...), e o Juliano sempre foi de escutar”, conta. Hoje, a mãe recebe os parabéns da clientela pelo filho.
"Representa muitas mães que vivem essa situação, e também têm essa vitória vendo seu filho chegar ao que ela imaginava em um determinado momento", destaca Ricardo Breier, presidente da OAB.
"Esse é um exemplo de meritocracia, dificuldades financeiras e social, mas existe uma base familiar muito importante de princípios", resume Breier.
Juliano abraça a mãe Vera, em agradecimento (Foto: Reprodução/RBS TV)Juliano abraça a mãe Vera, em agradecimento (Foto: Reprodução/RBS TV)
Conseguir uma vaga em universidade particular só foi possível por causa de uma bolsa do ProUni. Mas ainda faltava dinheiro para outros gastos. Nada que os desanimasse.
“Nesse meio tempo, bateu a dificuldade, porque é terno, é sapato...”, lista a mãe. “Eu sempre dei um jeito, jamais coloquei a dificuldade como um marco que me impedisse de fazer algo, pelo contrário, eu sempre vi na dificuldade um obstáculo e um desafio a enfrentar a correr atrás. Então a dificuldade era uma motivação”, afirma o filho.
Sempre dei um jeito, jamais coloquei a dificuldade como
um marco que me impedisse
de fazer algo, pelo contrário"
Juliano da Silva Dias
O bairro Rubem Berta, onde vive a família, é uma das regiões mais violentas de Porto Alegre. Outro obstáculo enfrentado por Juliano e pela mãe.
“Realmente, é uma região bem complicada. Desde pequeno eu sempre tive esse contato com amigos de boa e má índole, inclusive amigos que hoje, ou estão mortos, ou estão presos. Mas desde o início eu sempre tive uma criação e uma mãe bem general”, reconhece ele.
“Onde a gente mora, a gente sabe que tem crianças que não têm oportunidade, e às vezes o menino desiste no meio caminho de estudar porque a mãe tem dificuldade, o pai tem dificuldade, e ele tem que trabalhar e abandona os estudos”, completa Vera.
Faixa parabeniza Juliano pela aprovação no exame da OAB (Foto: Reprodução/RBS TV)Faixa parabeniza Juliano pela aprovação no exame da OAB (Foto: Reprodução/RBS TV)
No meio do caminho, os dois ainda tiveram de enfrentar o preconceito. “Eu estava sentada na minha cadeira, tinha dois clientes nas minhas costas, e eu escutei quando um falou pro outro assim: ‘olha como tá o nosso Brasil, até filho de engraxate tá entrando na faculdade’. E uma outra seguidora disse na internet: ‘o seu filho tá recebendo as nossas migalhas pra fazer faculdade’”, conta a mãe.
Esses comentários discriminatórios, eles realmente existem e me motivam
mais ainda."
Juliano da Silva Dias
“Esses comentários discriminatórios, eles realmente existem e me motivam mais ainda. Me fazem me empenhar mais e me dedicar mais, e mostrar pra essas pessoas o quão erradas elas estão quando proferem esse tipo de argumento. O filho da engraxate amanhã vai estar à disposição delas e de toda a sociedade para contribuir, para se dispor no que for preciso”, encerra Juliano, que se formará ainda neste semestre.

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