domingo, 9 de dezembro de 2018

Luz

Meu nome é João  Galdino. Tenho 24 anos. Estou indo de carro as 14 horas para um bar mitzvah no Arizona. Vim morar nos EUA porque não aguentava mais o Brasil. Aqui lavei pratos, carros e privadas pra ganhar meus dólares.  Nunca fui religioso embora tenha nascido católico com avós protestantes e mãe rebeldemente católica pois não suportava mais ser filha de pastor. Embora não seja de religião nenhuma descobri o quanto é reconfortante ficar alguns momentos ajoelhado com a cabeça entre os joelhos por alguns momentos. Meu nome é João Galdino.  Tenho 24 anos  e todo domingo passei a ficar alguns momentos assim pensando em Deus.  Todos  os domingos as duas horas da tarde.
Estou indo de carro para um bar mitzvah no Arizona. É semana que vem mas estou indo passar a semana lá pois não suporto atraso.
 Como não sou religioso fico virado para o sol, já que ele não é propriedade de religião  nenhuma. Me sinto tão confortado nessa posição  que primeiramente ficava minutos, depois passei a ficar horas. E me sinto bem assim. Lá em coronel Fabriciano onde me criei o padre Raulino dizia que Deus ama a todas as pessoas de diferentes formas, enquanto eu sentava em seu colo e ele me apertava as bochechas. O pastor Tibúrcio dizia pra eu não sentar no colo do padre, porque padre não tem mulher mas tem libido. Nunca liguei, bem quentinho o colo do padre. Meu nome é João Galdino e estou indo para um bar mitzvah no Arizona.  Tentei evitar, mas quando deu 14 hs eu estava no meio do deserto do Arizona,  na estrada de asfalto quente. Cansei de lavar pratos e outros serviços e descobri que tem formas mais agradáveis de ganhar dólares aqui.
 Estava servindo as mesas quando um cliente de enormes  bochechas, bigode e uma pança farta me deixou uma gorda gorjeta e um número de telefone.  Nunca mais servi mesas. O asfalto solta vapores que adentram minhas narinas e me deixam nauseado.
 O chão quente grudado à minha testa, com pequenos grãos de areia,  me lembram que o torpor que sinto depois de 3 hs com testa colada ao asfalto pensando em um Deus que eu não acredito, de uma religião  que eu não sigo, começa a elevar a temperatura craniana.  Quando sai de casa no Brasil meu pai olhava pra baixo, minha mãe chorava um mar, e minha tia rosnava entre dentes com o cigarro na mão: que puta sina essa de ter sobrinho viado.
 Aqui eu comi comida do lixo uma vez. Lá eu comeria sempre.  E onde está Deus? Com certeza não está com a testa colada no asfalto as cinco da tarde pensando em si mesmo.  A filha do pastor era tão linda. Sinhaninha era uma flor do cerrado.
 Minha cabeça roda. Minha boca seca. Tudo parece escurecer. E então a luz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário