quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Afinal, por que você quer ser um herói?


Se você viu e gostou de Star Wars, Harry Potter ou qualquer outro filme de super-heróis você deve isso a um homem chamado Joseph Campbell. Ele foi um pensador que estudou diversos mitos em diversas culturas e descobriu que todos se parecem. Segundo ele, há uma estrutura semelhante em todos, poderíamos chamar de “universal”, o que batizou de “A Jornada do Herói”.
Apesar de Campbell ter escrito vários livros há uma espécie de síntese de seu trabalho na forma de uma entrevista dele com Bill Moyers que deu origem ao livro O Poder do Mito. Você pode ver a entrevista aqui:
Então Jesus Cristo, Buda, Superman, Luke Skywalker e Harry Potter têm algo em comum.
Todos são Heróis e seu inconsciente reconhece isso de maneira quase imediata. A jornada do Herói é arquetípica, o que significa que evocam emoções fortes, despertam imagens primordiais que estruturam e formam o nosso inconsciente (de maneira individual, coletiva e também o relacionamento entre essas duas dimensões). Essas imagens constituem uma experiência que todos os seres humanos passam em algum momento da vida.
Então quer dizer que todos somos Heróis?
Não.
Mas, o que sugere Campbell, significa que todos nós podemos ser Heróis.
O mesmo Campbell cita em O poder do mito uma pesquisa na qual foi feita a seguinte pergunta “O que você gostaria de ser: uma celebridade ou um Herói?” e fica espantando com o resultado: 2/3 responderam que gostariam de ser celebridades. E qual a diferença? Uma celebridade vive para si e um Herói se sacrifica por algo maior que ele mesmo.
Embora vivamos um tempo em que o Herói se encontra diluído na celebridade (vamos lembrar dos filmes do Homem de Ferro para ficarmos com apenas um exemplo), por mais que vivamos em uma sociedade extremamente individualista e hedonista no pior sentido do termo, o ciclo heroico ainda é a base da maioria das narrativas produzidas pela indústria cultural, o que prova de que alguma forma o Herói ainda evoca uma forte impressão nas pessoas justamente porque sua jornada é arquetípica.
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Por que nos empolgamos quando vemos Superman salvar uma pessoa? Por que vibramos ao ver Peter Parker dar o troco no valentão do colégio? Por que nos empolgamos ao ver o franzino Steve Rogers proteger seu pelotão de uma granada?  Porque em algum nível gostaríamos de fazer o mesmo. Superar nossos medos, nossas inseguranças, salvar a vida de nossos semelhantes. É isso que é ser um Herói. Para resumir com Campbell: o Herói é alguém que deu a própria vida por algo maior que ele e em algum nível de nosso inconsciente é isso o que queremos fazer.
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Podemos resumir a Jornada do Herói em três grandes etapas. O que acontece em cada etapa pode variar, nem tudo acontece com todos os heróis e a lista abaixo não é exaustiva (Campbell escreveu vários livros sobre a Jornada do Herói, é impossível eu colocar tudo em um único post).
A Partida
É o início da Jornada. O herói ainda está no mundo normal, mas alguns sinais já indicam que ele não é uma pessoa comum. Muitas vezes o Herói é de alguma forma antevisto ou desejado, previsto. Sua vinda é aguardada. “Aquele que trará equilíbrio à Força” ou que guiará um povo à sua libertação. De alguma forma o mundo comum não satisfaz o Herói. É Luke Skywalker que de alguma forma sabe que sua vida em Tatooine não atende mais a seus anseios. Steve Rogers que deseja se alistar no exército.
Mais cedo ou mais tarde há o chamado para a aventura. É Gandalf chegando ao Condado, a carta de Hogwarts. Às vezes há uma recusa. O Herói reluta em participar da aventura, há certas forças que agem para manter o mundo como ele é, mas cedo ou tarde o Herói aceita o chamado.
Outros já trilharam o caminho do Herói e com frequência temos a presença de um mentor que o guiará. Obi Wan-Kenobi e Yoda e até mesmo Ra’s Al-Ghul nos recentes filmes do Batman. Muitas vezes é dado um presente especial ao Herói (“Esse é o sabre de luz de seu pai”) que se mostrará útil em sua Jornada.
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Iniciação
Preparado, o Herói inicia sua jornada, abandonando o mundo que até então conhecia, rumo a algo inteiramente novo. É a chegada em Hogwarts, em Mos Eisley ou mesmo no Acampamento Meio-Sangue de Percy Jackson.
Passar para o novo mundo não é fácil. Muitas vezes haverá um guardião ou prova a ser superada que também representa as próprias forças autodestrutivas do Herói. É Luke Skywalker na caverna, sofrendo uma morte simbólica para completar seu treinamento.
E agora o Herói deve cumprir seu propósito vencendo uma série de desafios. Mesmo os desafios físicos na verdade são representações de evolução emocional e espiritual. Siegfried, ao derrotar o dragão, passa a entender a linguagem dos pássaros. Luke Skywalker fecha os olhos e usa a Força para destruir a Estrela da Morte. Batman supera seus instintos mais básicos e decide não matar o Coringa. Guilgamesh consegue o Elixir da Vida.
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Retorno
Uma vez superado o desafio, o Herói retorna ao mundo comum trazendo alguma dádiva ou mudança. Batman livra Gotham do crime. Superman livra a Terra de Zod. Luke sabe que o Império que acaba de destruir é apenas uma parte de sua tarefa. A cobra rouba o Elixir da Vida de Guilgamesh. Mas isso não importa.
As narrativas e tradições ocidentais dão a impressão de que somente o objetivo a ser conquistado é o que importa. Uma percepção mais ampla (ou o Yoda) diria: “não só”. O caminho que se percorre, a Jornada é tão (ou mais) importante quanto a meta a que ela se destina. Mesmo que o objetivo falhe, no final, a Jornada nos terá mudado para sempre.
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Muitas vezes o Herói morre, mas sua morte sempre tem um sentido. O Herói agora não é mais um ser humano comum e sua morte pode ocorrer de duas formas: o Sacrifício e a Traição.
O sacrifício por um bem maior, o Herói desiste de sua vida (é quando o Capitão América que livra os Estados Unidos da bomba a bordo do avião do Caveira Vermelha).
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Outra morte possível é por meio da traição: Hagen de Tronje perfura o ponto onde Siegried não é invulnerável. Arthur é trespassado pela espada de seu filho, Mordred.
Ou mesmo as duas formas de morte juntas, como é o caso de Jesus Cristo, traído por Judas e flagelado voluntariamente pela salvação da humanidade.
De qualquer forma ao completar sua jornada o Herói não apenas mudou a si mesmo, mas também o mundo em que vive e abriu caminho para que outros depois dele façam o mesmo.
*
A Jornada do Herói é arquetípica, mas de alguma forma tem que dizer algo a respeito da sua própria experiência, ou ela não significará nada a você. O que mostra que a Jornada deve sempre se atualizar de alguma forma.
Por mais que Harry Potter e Star Wars sejam iguais do ponto de visto do ciclo heroico, há algo que o mago de Hogwarts não diz a mim, mas a uma nova geração (do mesmo modo que Luke Skywalker não é o Herói da geração deles, mas da minha).
A Jornada está presente em diversas mitologias e religiões do mundo em diferentes épocas. Exposta por Campbell, se tornou simplesmente uma fórmula de roteiros fáceis e muitas vezes de qualidade duvidosa. Conforme você foi lendo (e se chegou até aqui, obrigado) tenho certeza que se lembrou de dezenas de outros exemplos, uns bons outros nem tanto. Não obstante a jornada do Herói é consumida hoje nas mais diferentes mídias e a demanda está longe de ser satisfeita.
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Ver a Jornada do Herói na TV, no cinema, nos quadrinhos ou em qualquer outra mídia pode levar à passividade consoladora, como quando se lê um livro de auto-ajuda. Naquele momento todos nossos problemas acabam, mas retornam tão logo fechamos o livro.
Mas também pode levar à inspiração e ao estímulo à ação.
É lugar-comum dizer que a arte dá sentido à vida, mas nem por isso deixa de conter sua verdade. Apreender a verdade mítica do Herói em sua totalidade não será possível apenas no nível da indústria cultural. Se a jornada do Herói será um mero consolo ou inspiração cabe a cada um de nós decidir.

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