De longe, tudo parece real. O soco, de tão forte, é ouvido em todo o ginásio. O cuspe, o estrangulamento, a provocação, tudo se apresenta como verdade absoluta. A poucos metros, porém, a cena muda de forma. Lutadores com quilos a mais, o aviso sobre os próximos golpes através de olhares, e a encenação fica óbvia na dor fingida do rival que foi à lona. Para o público que lota a Arena Coliseu Guadalajara, pouco importa. Separados por uma grade, torcedores se xingam não pela rivalidade, mas pela posição que cada um ocupa na arquibancada. Quem está na parte de cima é contra quem está abaixo. Simples assim. Tudo pelo show.
Famosos e reverenciados no Brasil nas décadas de 1960 e 1970 em ídolos como Ted Boy Marino, os lutadores de Telecatch aos poucos foram perdendo espaço entre o público. No México, no entanto, a luta teatral ainda leva milhares de torcedores às diversas arenas espalhadas pelo país, mesmo durante a maior competição esportiva das Américas. Às vésperas da estreia nos Jogos Pan-Americanos, os irmãos Adrian e Antoine Jaoude e Aline Ferreira, representantes brasileiros na categoria livre de lutas, aproveitaram a folga, vestiram as máscaras características do show e descobriram um mundo diferente do qual estão acostumados.
- Parece que pegaram os melhores momentos de todas as lutas e juntaram tudo. É tudo muito legal. O público aqui se xinga, xinga a mãe, a mulher. Parece torcida de futebol. O pessoal vem aqui para extravasar mesmo. A técnica está certinha, eles sabem lutar. Mas é tudo uma grande brincadeira – afirmou Aline.
A intenção é mesmo divertir. Nas arquibancadas, fortões com camisas de astros do UFC se misturam a famílias, crianças e casais de namorados. Dentro da arena, o show é comandado com muita gritaria, golpes fingidos e provocações. Nabuo Yoshihashi, japonês que se mudou para o México em busca de glórias no ringue, reconhece que 80% da luta é festa.
- É uma grande festa. As pessoas adoram, vibram – afirmou o lutador, que chega a dar autógrafos nas ruas de Guadalajara.
Os ingressos variam entre 60 e 140 pesos mexicanos (cerca de R$ 8 e R$ 20). A noite do público também é regada a uma marca de cerveja local que patrocina a casa, com doses duplas a 100 pesos (algo em torno de R$ 14). Ambulantes vendendo pipocas e doces também circulam entre os torcedores.
O show reserva para o início da noite os lutadores mais caricatos. No ringue, um festival de gordura, má forma física e fantasias e cabelos grotescos. Os astros ficam mais para o fim, com direito a apresentação feita por ring girls, algumas também com alguns quilos a mais. O público, no entanto, vai ao delírio e se espreme para tirar fotos das musas.
Prata no Pan de 2003, em Santo Domingo, Antoine, de origem libanesa, conta que ficou perto de aceitar um convite para participar do Telecatch americano. A tragédia do 11/09, em 2001, no entanto, acabou com seus planos de ganhar um dinheiro a mais com o show.
- Eles me chamaram para ser o “Palestino do Terror”. Mas as coisas acabaram esfriando por causa do 11 de setembro. Os caras pagavam muito bem. Na época, lutador estreante ganhava US$ 40 mil. Eu aceitei na hora. Mas depois daquilo tudo, acabaram recuando.
Os lutadores, no entanto, afirmam que nem tudo é espetáculo. Apesar do show, querem sempre vencer a luta.
- O objetivo é sempre ganhar. Quero mostrar que sou superior. Sou técnico também, então, quero mostrar que sou bom – afirmou um dos mascarados.
Os brasileiros também entram no clima. Para Adrian, apesar de toda a encenação, há uma luta também acontecendo no ringue.
- São golpes reais. Você nunca sabe quem vai ganhar. Isso aqui é sensacional.
( Do globo.com )
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