terça-feira, 4 de abril de 2017

A diversidade contra a tradição nos quadrinhos de heróis







“Se deus não existe, tudo é permitido.”
Fiodor Dostoiévski
Uma coisa que as pessoas não entendem sobre esse papo de diversidade nos quadrinhos é que isso representa uma ruptura. Personagens mulheres, gays, negros, minorias, isso sempre existiu: A Mulher Maravilha foi criada por William Moulton Marston, um homem feminista, em 1940, para ser “tão forte quanto Hércules e mais bela do que Afrodite”; Luke Cage foi criado em 1972 por Archie Goodwin e John Romita, para representar os jovens negros da periferia de New York e mostrar que eles podiam ser heróis; Estrela Polar foi criado por Chris Claremont e John Byrne em 1979 para representar os gays entre os heróis X-Men. Todos são provas de que sempre existiu uma diversidade natural nos quadrinhos mainstream.

Esses personagens, e muitos outros bastante diferentes entre si, não foram criados a partir de movimentos de reivindicação. Até o ano 2000, praticamente o único contato que os leitores de quadrinhos tinham com seus editores eram as cartas. E nas seções de correspondências das revistas não havia pedidos ou exigências para a criação de personagens do tipo que são chamados hoje de diversos, de nenhum tipo de representatividade ou maluquices semelhantes. As seções de correspondências dos gibis são um documento valoroso e devem ser lidos por todos que se interessam pela História das HQs. Não havia reivindicações políticas do tipo que temos hoje na internet, talvez discussões, mas movimentos reivindicatórios era algo inexistente. Não havia pressão em cima de criadores e editores para representar supostas minorias, acusações de homofobia e racismo; não havia coitadismo e choradeira. Havia fãs de verdade, pessoas que compravam revistas (muitas com dinheiro suado, inclusive eu, que comecei a trabalhar duro aos treze anos, na marcenaria do meu pai, para ter o dinheiro dos gibis). Sem nenhuma espécie de pressão, a criação desses personagens diferentes partia da própria vontade dos artistas e editores, visando um melhor desempenho no mercado. Eram coisas espontâneas que, se sobrevivessem ao julgamento do público, comprovavam-se boas.
E nenhum desses personagens, hoje erroneamente chamados de diversos , rompeu com a tradição dos super-heróis. O bem continuou sendo o bem que luta contra o mal, e vence. Não interessava se Luke Cage era negro, ele era um herói como outro qualquer e seguia os mesmos esquemas. Sua iconografia (até o queixo quadrado e aquelas posições kirbyanas) era semelhante a de um herói branco, e ele lutava contra o mal, mesmo que fosse um “Hero for Hire”. A essência dos heróis permanecia a mesma com esses novos personagens, e os fãs não reclamavam, pois sentiam isso instintivamente, buscavam isso, um entretenimento que tinha um valor, uma beleza transcendente. Os gibis de heróis mostravam o que havia de melhor e pior entre os homens, representavam isso de forma simples para pessoas simples e eram consumidos avidamente por essa própria razão. Iam além, muito além das aparências de raça e sexo. A Mulher Maravilha nunca lutou contra os homens nem foi pervertida, ela foi uma mulher forte, esperta, que dominava os homens pela sua sedução, pelo seu carisma e amor, como as mulheres fortes fazem. Nunca ninguém deu importância ao fato de Estrela Polar ser gay, nem ele mesmo, ele era simplesmente um herói como outro qualquer e poderia ter o mesmo papel que qualquer um teria. Lutar pelo bem, vencer o mal, protagonizar incríveis e inspiradores feitos, a sina de qualquer super-herói dos quadrinhos. Esses heróis faziam isso, eram conectados a uma tradição, um cânone.
Os movimentos de diversidade surgiram na internet a partir de 2010 e partiram de pessoas que não leem quadrinhos. A partir daí já podemos concluir que são equivocados. Se você não vai ao circo, por que vai fazer campanha na internet para que os circos não usem mais leões e elefantes em seus shows com o pretexto de defender os animais? Não é algo absurdo? Na internet brasileira, eu fui o primeiro a alertar contra esses movimentos, cinco anos atrás. Observei que os reivindicantes não demonstravam conhecimentos básicos sobre HQs. Ao mesmo tempo, percebi que eles ganhavam grande penetração na mídia através de jornalistas que possuíam menos conhecimentos ainda e de sites oportunistas com intenções de se promover. Eles começaram a exigir essa baboseira chamada de “representatividade”, replicando o discurso de sites estrangeiros com verdadeira influência sobre a indústria de quadrinhos americanos. Eu fiz uma lista de treze desses sites, quase todos se promoveram com esse discurso. Já os sites estrangeiros, com verdadeira importância, conseguiram pressionar editores de quadrinhos através de ameaças de boicote e campanhas de difamação. O resultado foi a criação de vários personagens seguindo os ditames da tal “diversidade”. Todos os personagens criados a partir dai, com essa alcunha de “diversos”, surgiram para atender essa demanda.
O surgimento desses personagens não foi uma manifestação natural. Foi uma ruptura, e eles representam a adesão dos artistas e editores às ideologias progressistas. Não vamos entrar aqui em discussões sobre o espectro político. Basta dizer que houve uma ruptura com o cânone dos super-heróis, uma quebra com a tradição. Essa ruptura radical só pode ser entendida superficialmente como uma inclusão de personagens gays, negros, mulheres, etc. Parece uma coisa muito positiva, bem intencionada. Mas em sua realidade mais profunda, trata-se de uma negação do cânone, da tradição. A inclusão de classes falsamente desfavorecidas na História dos quadrinhos de super-heróis é apenas o aspecto superficial desse movimento. Sua real natureza consiste em perverter os modelos que construíram a mitologia dos quadrinhos de heróis. O que chamamos de politicamente correto, aquilo que exige a tal da diversidade, visa não apenas uma transformação nas aparências, cito: etnia, sexualidade, religião. Tem como objetivo, além disso, a introdução de novos paradigmas morais e éticos, completamente diversos aqueles consagrados nas histórias em quadrinhos de heróis. Bem e mal deixaram de ser o que sempre foram, o herói passou a poder ser vilão e o vilão passou a poder ser herói. Toda a iconografia desses heróis da diversidade é falsa, perversamente reconstruída a partir de delírios ilegítimos, sem relação com a tradição dos super-heróis. Suas histórias seguem outros arquétipos, não identificadas e apreciadas por leitores tradicionais, e talvez por nenhum leitor. É ai que reside o problema das baixas vendas desses gibis. Os seus reivindicantes não são leitores de quadrinhos, mas sim militantes de causas políticas, e não vão comprá-los. Os leitores de quadrinhos verdadeiros não reconhecem os sentimentos, as reminiscências da infância, a evocação de valores, a enlevação do senso comum que os fazia se apaixonar e ler quase fanaticamente um gibi atrás do outro. Porque esses quadrinhos não tem conexão alguma com a tradição. Eles são uma deturpação dela. Eles serão rejeitados, e não porque esses leitores são racistas, machistas, homofóbicos ou qualquer bobagem desse tipo, mas simplesmente porque são inteligentes. Então não vão comprá-los.
Se não existe um cânone a ser respeitado, uma tradição de mais de setenta anos a ser reverenciada (e isso graças aos movimentos politicamente corretos que exigem diversidade) então tudo é permitido, não é? A partir da introdução dos heróis da diversidade, tudo passou a ser aceitável pelos editores como algo apresentável ao público. Pois se não existe mais um cânone nos quadrinhos, se os personagens podem mudar de raça, religião e opção sexual, então, por que não podem deixar de ser heróis e se tornarem vilões? Se o Homem de Ferro pode ser uma menina negra lésbica, por que o Capitão América não pode ser nazista? Por que não matar, ser vilão, ter desenhos horríveis e sem graça, narrativa arrastada, diálogos pretensiosamente politizados? Por que não fazer e desfazer tudo várias e várias vezes com reviravoltas mirabolantes nas histórias dos personagens? Por que respeitar alguma regra, alguma tradição, cânone?
Foi isso o que fizeram, foi isso o que a diversidade causou, uma deturpação completa na natureza desses quadrinhos. Mas quem compraria esses gibis? Qual seria o efeito da tal diversidade?
Quando tudo passou a ser relativizado de tal maneira, surgiu um estranhamento da parte dos leitores, e isso não se deu por causa da cor da pele dos heróis, muito menos por sua sexualidade ou religião, mas, única e exclusivamente porque essas histórias não tinham base alguma pra existir. A partir do momento que a tradição do heroísmo foi abandonada em prol de uma agenda política, aquela sensação de maravilhamento se dispersou e surgiu um vazio. Na falta de uma capacidade maior de expressão, o leitor mediano afirma apenas que deseja “boas histórias”. Você vê isso nas redes sociais, é quase noventa por cento dos comentários. Todos desejam “boas histórias”, mas ninguém sabe definir exatamente o que é esse sentimento. É um certo saudosismo, um conceito extremamente subjetivo e pessoal, frágil e inconteste. Na verdade, o que esses leitores sentem é falta do cânone, da relação com a tradição dos quadrinhos, daquela coisa antiga e primordial que estava presente em todos os primeiros gibis que nós lemos e agora se encontra ausente nessas histórias repletas de diversidade, mas carentes de beleza e heroísmo.
Foi isso o que ferrou com a Marvel. E pode ferrar com toda a indústria de quadrinhos de super-heróis. Abriram a Caixa de Pandora da diversidade, tudo passou a ser permitido, possível e recomendado. A relativização, que é a essência das reivindicações progressistas, destruiu os valores tradicionais dos quadrinhos. Os fãs antigos, aqueles que realmente compram gibis, obviamente, desprezaram, mesmo sem saber o porquê. Dai veio a crise, a queda nas vendas e tudo que presenciamos nos últimos tempos. Somente uma religação aos valores antigos e verdadeiros poderá solucionar este problema.


Fonte: https://supercaixadegibis.wordpress.com/2017/04/05/a-diversidade-contra-a-tradicao-nos-quadrinhos-de-herois-2/

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