quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Recordando os famosos Reis do Ringue


Fonte: http://simaopessoa.blogspot.com.br/



O “Telecatch Montilla” era a versão brasileira das lutas-livres e foi um dos programas responsáveis por alavancar a audiência da TV Globo na década de 1960.

No programa, aproveitando a distração do juiz, o vilão batia covardemente no mocinho, e o público, com raiva, gritava e jogava sapatos e guarda-chuvas no ringue.

Na luta encenada, valia tudo: mordida, dedos nos olhos, tijoladas na cabeça, limões espremidos nos olhos, supercílios cortados com gilete e até bater no juiz.

Quando tudo parecia perdido, o bonzinho recuperava as forças, aplicava uma série de tesouras voadoras no malvado e vencia a luta.


O programa foi originalmente criado na TV Excelsior e passou a ser exibido pela Globo em 1967. Era transmitido ao vivo do auditório da emissora, aos sábados, inicialmente às 20h. Dois anos depois, o programa passou a ser exibido na TV Tupi. Saiu do ar em 1972.

O principal personagem do programa era Mario Marino, um italiano que desembarcou em Buenos Aires aos 12 anos e veio para o Brasil com 24. De cabelos loiros e porte atlético, consagrou-se como Ted Boy Marino.

O galã loiro tinha muita popularidade entre as crianças e o público feminino. Ele conta que, na época, chegou a receber mais de duas mil cartas por semana e que precisava entrar com seguranças na TV Globo devido ao assédio dos fãs.

Mas os bons tempos foram interrompidos pela censura, que tirou a luta-livre do horário nobre e, depois, da programação. O espetáculo-marmelada fazia muito sucesso e ainda voltou em várias versões nas décadas de 1970 e 1980 em outras emissoras.



Ted Boy conta que para lutar era preciso habilidade e muito treino, para saber cair. Mas, apesar do seu know-how, ele se acidentou diversas vezes: quebrou joelho, tornozelo, braço, ombro e costelas.

Depois que o gênero saiu de moda, o lutador passou a se apresentar em clubes e teatros do interior. Participou também de programas humorísticos, como “Os Trapalhões” e a “Escolinha do Professor Raimundo”.

Os outros personagens conhecidos como os reis do ringue eram o traiçoeiro Mongol, o exótico Leopardo, o extraordinário Tigre Paraguaio, o misterioso Verdugo, o impagável Tony Videla, o irritante Rudy Pamias, o violento Rasputin Barba Vermelha, o campeão Caruso e os irmãos estilistas Beto e Sergio.


Na verdade, os lutadores eram divididos em três grupos. O primeiro era formado pelos galãs Tigre Paraguaio (foto) e Ted Boy Marino.

O segundo grupo era composto pelos lutadores Fantomas, Hércules, Aquiles e Bala de Prata, os mocinhos.

O terceiro grupo era formado pelos vilões Rasputin, Verdugo, Mongol, Barba Negra e Diabo Branco, todos muito gordos e bem feios.

As lutas colocavam frente a frente um “bonzinho” contra um “malvado”. Havia o “cruzamento de espadas”, golpe em que o lutador forçava o oponente no tablado encostando peito a peito. Se o lutador de baixo não se livrasse em três segundos, perdia o combate.


Havia também a “tesoura voadora”, o golpe em que se “voava” com os dois pés no peito do adversário, mandando-o para a lona.

E havia também o “soco-inglês” – uma peça metálica que se encaixa nos quatro dedos da mão, com exceção do polegar, para desferir golpes violentos no adversário.

Só os malvados usavam soco-inglês. Os bonzinhos apenas se defendiam. Os malvados batiam até “tirar sangue” dos bonzinhos.

Mas Ted Boy Marino, o galã, não colocaria a cara para bater até sangrar. É que a telinha não mostrava, mas o vilão pegava no corner saquinhos de plástico com groselha. Ele fechava a mão com o soco-inglês e quando desferia o golpe na cara do bonzinho, espremia a groselha que explodia “em sangue”.

No dia seguinte, o bom rapaz aparecia sem nenhuma cicatriz no rosto.


No ringue, os personagens se digladiavam sob as marcações de uma luta ensaiada. A encenação era marcada pelo tom caricatural e cômico dos golpes e dos estilos de seus protagonistas.

O programa chegou a despertar protestos de lutadores, empresários de boxe, jornalistas esportivos e pugilistas, que acreditavam que as lutas-livres ensaiadas da TV, com golpes combinados e o final previamente decidido, desmoralizavam o boxe brasileiro.

Em Manaus, os radialistas Arnaldo Santos e Luiz Saraiva criaram um programa semelhante, que era exibido na TV Ajuricaba.


O grupo dos mocinhos incluía Silva (foto), Argos, Demolidor, Ulisses, Gato, Aquiles, Viking, Targus, Falcão Dourado, Oder, Spartacus e Bala Ligeira.


Os malvados, capitaneados por Lobo Selvagem (foto), incluíam Cabeleira, Lotar, Tigre, Dom Kimura, El Tcholo, El Touro, Atlas, Múmia, Rasputin, Carrasco Cearense, Ramires Toledo, Killing, Linhares da Amazônia, Corisco e Mini-Maciste.

Na luta australina, uma das mais animadas, dois bonzinhos enfrentavam dois malvados, mas era comum outros malvados se juntarem à dupla inicial para detonar os bonzinhos.


Voadora de Argos no Carrasco Cearense enquanto Silva imobiliza Atlas

A briga entre Silva e Lobo Selvagem era considerada o grande clássico do gênero, o “Rio-Nal” do tele-ringue. 

Silva fazia o galã boa praça que lutava limpo porque possuía uma excelente técnica. Era o favorito da mulherada.

Lobo Selvagem, que gostava de fazer caretas para intimidar os adversários, apelava para tudo quanto é golpe baixo. Era o favorito dos homens.

Em média, Silva vencia três de cada cinco lutas, enquanto Lobo Selvagem vencia as outras duas. Nenhuma luta entre eles dois terminava em empate.


Mestre em aikidô e proprietário de uma academia no centro da cidade, Alberto Silva conta que sempre foi amigo do hoje advogado José Carlos Sena Dantas, o famoso Lobo Selvagem, e que as lutas entre os dois eram previamente ensaiadas.

“Eu estava em alguma festa e o Lobo Selvagem aparecia na porta de uma hora pra outra. Tudo previamente combinado. A gente começava a discutir, era aquela confusão. Um jurava o outro de morte e lá mesmo já marcávamos um combate. Quando chegava na hora da luta não tinha mais onde colocar gente”, revelou Silva em entrevista ao jornalista Adan Garantizado, de A Crítica.

A idolatria dos torcedores também rendeu boas histórias.

“Nós estávamos lutando no Lago do Janauacá e eu parti o supercílio do Silva com uma cabeçada involuntária. Na mesma hora, um rapaz apareceu com um facão dizendo que ia me matar. Eu saí correndo, pulei em uma canoa e me mandei. A turma dos lutadores só foi me achar no outro dia”, relembrou Lobo Selvagem, com bom humor.


Segundo Arnaldo Santos, as lutas eram previamente ensaiadas por causa da censura que existia no país.

“Em 1972, o AI-5 ainda estava vigente e tudo tinha que ser examinado previamente pela Polícia Federal. Nós fazíamos um roteiro detalhado e entregávamos a eles, inclusive dizendo quem ia ganhar. Se acontecesse algo que não estivesse no script, o programa seria censurado e sairia do ar”, diz ele.

A primeira luta organizada por Arnaldo Santos e Luiz Saraiva aconteceu em um terreno baldio que ficava ao lado da televisão e foi um desastre.

“O povo se revoltou com o resultado da luta e jogou pedras, garrafas e pedaços de pau no ringue. O jeito foi levar para dentro do estúdio da TV, onde era mais seguro. Mesmo assim, lotava. Vez ou outra as lutas aconteciam em clubes como o Olímpico e até no Parque Amazonense”, recorda o radialista.

A audiência do programa era grande e se transformou em uma verdadeira febre.

Dezenas de academias de luta livre foram abertas na cidade.


Depois da TV Ajuricaba, onde permaneceu por dois anos, o programa “Tele-ringue” foi exibido nas tevês Baré, Educativa e Amazonas e os lutadores chegaram a fazer combate em cidades do interior e nos estados e países vizinhos.

Nessas lutas, eles enfrentavam os lutadores locais (se houvessem academias na cidade em que estavam se apresentando) ou lutavam entre si.


Atualmente proprietário de um restaurante na Feira Coberta do Japiim, o ex-lutador Ulisses recorda de um episódio ocorrido durante uma luta realizada em Porto Velho (RO), quando enfrentou seu compadre Lobo Selvagem.

Faltando cinco minutos para começar o combate, Lobo Selvagem foi subitamente acometido de um tremendo desarranjo intestinal. Ele correu para o sanitário e deixou a natureza seguir seu curso.

Ocorre que no referido sanitário não havia papel higiênico. Lobo Selvagem não deu a mínima e vestiu a sunga assim mesmo, sem ter limpado o brioco.

Assim que começou o combate, Lobo Selvagem derrubou Ulisses no chão e se sentou na cara do lutador.

– O cheiro de merda foi bater no meu pulmão! – diz Ulisses. “Eu tratei de bater rapidinho, antes que desmaiasse com aquela fedentina. O público desconfiou que era marmelada, tentou invadir o ringue e deu uma confusão dos diabos!”

Um dos lutadores mais marcantes do tele-ringue se chamava Demolidor.


O personagem vivido por Edgar Monteiro de Paula (o quarto da esquerda pra direita, em pé) surgiu a partir de uma ideia dos organizadores para ser a grande estrela do programa de tevê. 

Faixa-preta em karatê e um dos melhores jogadores de vôlei da época, Edgar não era praticante de luta livre, mas acabou se transformando no lutador mais admirado pelos telespectadores. 

Lutando sempre mascarado, com uma roupa negra que cobria o corpo da cabeça aos pés, ele tinha o desafio de se manter “anônimo”.

As entrevistas na tevê eram limitadas a gestos e nenhuma palavra. Nem mesmo os outros lutadores sabiam quem era o misterioso lutador, já que Edgar também treinava fantasiado de Demolidor.

Algumas características como a luta em pé e a finalização com um golpe de karatê na cabeça do adversário contribuíram, ainda mais para a criação do mito.

Mas a fama também obrigou Edgar a fazer verdadeiros malabarismos para manter o disfarce.


“Eu tinha que me trocar dentro do carro. Uma vez o comandante geral da PM entrou no vestiário e queria que mostrassem quem era o Demolidor. Ele dizia que o personagem podia ser um foragido da Justiça, mas na verdade ele queria mesmo era descobrir o mistério. Outra vez a torcida do Rio Negro seguiu o carro onde eu ia pra tentar me desmascarar”, revelou. 

Em casa, só os irmãos sabiam que Edgar era o Demolidor (conta-se que Eduardo Monteiro de Paula, atualmente um festejado radialista esportivo da TV Amazonas, que também era faixa-preta de karatê, chegou a substituir o irmão em algumas lutas, mas Dudu nega veementemente).

“Meus pais desconfiavam. Os amigos dele começaram a suspeitar de que eu era o lutador mascarado. Uma vez, eles tentaram tirar a prova: tive que assistir a uma luta do Demolidor em casa, ao lado deles. Só que armei com o Silva, que tinha um porte físico parecido com o meu e ele foi o Demolidor naquela noite. Consegui me livrar”, diz Edgar, que, atualmente, vive com a esposa e filhos em Ciudad Bolivar, na Venezuela.

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